Já se vão 57 anos daquele dia de sol escaldante, em pleno inverno, que naquela época fazia frio, quando o velho jornalista Francisco de Assis Chateaubriand veio pela primeira e única vez à nossa cidade. Naquele dia, minha mãe me ajudou a vestir a fantasia de marinheiro e o par de “Conga” novinho que ela havia comprado. Era para o desfile de emancipação do município: 20 de agosto de 1966. Todos os alunos, de todas as escolas, estavam na avenida, ao som das fanfarras, esperando chegar o avião que traria o homem de quem herdamos o nome da cidade.
Quanto mais o sol ardia em nossas cabeças, mais o bendito avião atrasava. E vamos marchar. Um dois, feijão com arroz. E nada de feijão e muito menos de arroz. O bucho roncava e o homem não vinha.
E o desfile se enfiava pela avenida empoeirada a fora. O Conga já não era mais branco. O marrom da nossa amada terrinha tinha tomado lugar, talvez, para combinar com as meias.
E o avião não chega. Passa o desfile. Gente por todos os lados. Éramos quase 100 mil habitantes, fora os convidados vizinhos e de longe. Caminhões e Jeeps enfeitados, garotos vestidos de índios, bandeiras de todos os tamanhos, alunos de guarda-pó, e eu, no pelotão, de marinheiro, todo garboso. Bum ba ra rum, ba bumm ba!
E nada de avião. E que sede desgraçada! Uma vontade enorme de sair correndo para o Grupo Velho e tomar uma caneca d’água. Era a minha escola, Escola Municipal Sagrado Coração de Jesus, quase em frente onde hoje é o Hotel Verdes Campos, à Rua Castelo Branco.
E o barulho do teco-teco rugiu rasante pela Avenida Tupãssi. Chegava quem tanto esperávamos. Poucos minutos depois, mesmo com fome, acenando bandeirinhas, assistimos à chegada do chamado “Velho Capitão”, o ex-embaixador Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo.
Já na Avenida Tupãssi, ele desceu de uma Kombi, amparado por sua enfermeira e pelo ator Lima Duarte, seu fiel escudeiro, que leria seu discurso longo em seguida na solenidade de emancipação, assinada pelo governador Paulo Pimentel e pelo então prefeito de Toledo, que perdia o distrito, Avelino Campagnollo.
Infelizmente, Chateaubriand já estava enfermo e não falava. Sua passagem em revista aos anfitriões de todas as idades foi em um pequeno trecho da Avenida, sobre uma cadeira de rodas.
Foi uma festa. Mataram tanto boi naquele dia, era tanta carne que, ao final, as pessoas levaram gordas e frescas sobras para comer em casa.
Começava naquele dia um novo tempo. Já éramos oficialmente um novo município, que ora completa 57 anos. Parabéns para todos os pioneiros, símbolos da luta de um povo que construiu os primeiros passos da história da nossa gente.
A blusa, a calça de marinheiro e o Conga empoeirados da terra vermelha e seca ainda estão guardados nas minhas lembranças, tal qual a figura do Velho Capitão, que não escondia no cansado semblante a felicidade de ver um povo carregar o seu nome para sempre.
Eu vi Chateaubriand bem de pertinho, acenando para as crianças. A impressão que tive é de que ele olhava para mim. Eu o vi. Ele me viu. Um instante onde respiramos o mesmo ar e sentimos o mesmo sol que iluminou nossas vidas num encontro que pintou a história com nossas imagens. Eu, Chateaubriand, a cidade e nosso povo.
Tenho muito orgulho disso.
(A foto está datada de 20/08/66
Clóvis de Almeida