As irmãs gêmeas brasileiras Elis e Eloá Lima Carneiro tinham por volta de quatro meses quando a família começou a identificar sinais físicos de que havia algo errado com o desenvolvimento delas. Mesmo novinhas, elas começaram a sofrer com queda de cabelo e enrugamento da pele, características mais comuns em idosos.
Foram vários meses de exames e consultas com diversos especialistas até descobrirem que elas podem ser as primeiras gêmeas do mundo a serem diagnosticadas com a síndrome Hutchinson-Gilford, também conhecida como progéria, um distúrbio genético progressivo que faz com que as crianças envelheçam rapidamente.
Elis e Eloá, hoje com um ano e oito meses, vivem no bairro de Tancredo Neves, na zona oeste de Boa Vista, em Roraima, com a mãe, a costureira Elismar Carneiro da Silva, 39. Costureira e mãe solo, com outros oito filhos, ela conta com a ajuda dos rebentos Guilherme Lago, 20, e Maria Eduarda Lima, 14, para tomar conta das bebês enquanto ela trabalha.
A profissional, que faz roupa para aniversários e festas infantis, resolveu desistir de montar a própria confecção devido à demanda das gêmeas. “Eu percebi que estava gastando todo o meu tempo com o trabalho e dando pouca atenção às minhas filhas, que são a alegria da casa, são minha razão de viver hoje”, conta. O orçamento da casa vem sendo complementado com doações.
Ela conta que as despesas com as filhas são altas e ela iniciou uma campanha na internet pedindo ajuda. “Precisamos principalmente de fraldas, leite, produtos básicos de higiene e protetor solar infantil por causa da pele das meninas”. Elismar já deu entrada no pedido de pensão no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mas sabe que o trâmite é lento.
Os cuidados são os mais diversos e se colocam como desafios diários. Para ir às consultas, o transporte público não é uma opção, visto que a cidade é muito quente e elas precisam de ar-condicionado.
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece os serviços de acompanhamento gratuito, mas os consultórios são distantes da casa da família e eles não têm carro ou dinheiro para andar várias vezes na semana com aplicativos de transporte. “Às vezes é muito difícil, elas acabam não tendo uma rotina de tratamento por causa disso”, lamenta.
Ao descrever as filhas, o sorriso é maior que qualquer dificuldade. Elis, conta, é mais agitada; Eloá é mais quieta e observadora. Com orgulho, explica que elas ainda não falam muito, mas entendem bem os comandos e se comunicam entre si. Elas têm o dialeto delas”, brinca.
As duas amam assistir a desenhos na televisão, serem gravadas e gostam muito de comer frutas. A costureira afirma também que, apesar de algumas pessoas olharem para a família de forma penosa, em nenhum momento vê as filhas como fardos.
“Eu posso estar cansada, triste, mas quando eu vejo o desenvolvimento delas, sempre mostrando algo novo, é muito gratificante, cada passinho, cada gesto, não tem como não chorar. Me emociono sempre. É um privilégio cuidar delas. Eu tenho muita fé que as coisas vão melhorar, meu sonho é vê-las vivendo de maneira melhor, com mais estrutura. Eu sei que tem uma idade limite para as pessoas que têm progéria, mas mãe nenhuma quer acreditar que o filho vai morrer, essa não é a ordem natural das coisas”, afirma.
Mudanças
Em dezembro de 2021, as gêmeas passaram a ser acompanhadas pela neuropediatra Charlote Briglia, médica do Follow-up, um ambulatório para recém-nascidos de risco, do CRSM (Centro de Referência de Saúde da Mulher), unidade pública do governo de Roraima. Foi lá que a família de Elis e Eloá recebeu o laudo com diagnóstico no dia 28 de dezembro do ano passado.
Em entrevista ao UOL, a neuropediatra, também professora de medicina da Universidade Federal de Roraima (UFRR), conta que suspeitou de que o caso das gêmeas pudesse ser progéria.
“Pelas características físicas, que nós chamamos de fenótipo, eu levantei essa hipótese e expliquei para o irmão delas a possibilidade da progéria. Mas como é um caso muito raro, não foi um diagnóstico simples”, afirma.
Como não existem testes específicos para a condição, ela pontua que a garantia do diagnóstico veio a partir das características físicas muito similares com a de pessoas com a síndrome, como o envelhecimento evidente, alopecia, diminuição de gordura subcutânea e baixo peso corporal. Também é característica uma pele muito sensível, fina e com vasos sanguíneos visíveis na cabeça.
Atualmente, a neuropediatra explica que o que mais preocupa na condição das gêmeas é que elas têm o envelhecimento precoce da pele e de todos os sistemas do organismo, então o sistema cardiovascular vai sofrer com doenças dessa área mais cedo do que sofreria uma criança. A maioria dos portadores morre por doenças do coração e dificilmente passa dos 14 anos.
Briglia destaca ainda que o desenvolvimento cognitivo das gêmeas não é tão afetado pela síndrome e que os últimos exames não mostraram nenhuma lesão estrutural nos cérebros de Elis e Eloá. Elas conseguem compreender bem alguns comandos, mas têm dificuldade em falar. A especialista diz que isso acontece devido à dificuldade fonoarticulatória devido às estruturas física e óssea da cavidade oral.
Hoje, o tratamento delas não é medicamentoso, mas consiste em um aporte nutricional para a melhoria da alimentação, fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional para a estimulação das crianças que têm risco de atraso. Elis e Eloá também precisam fazer uso constante de protetor solar por causa da condição da pele.
Esperança persiste
Desde a primeira suspeita de que as irmãs poderiam ter a síndrome Hutchinson-Gilford, o irmão das gêmeas, Guilherme Lago, buscou ajuda do Instituto Progeria Research Foundation (PRF), nos Estados Unidos, uma organização sem fins lucrativos referência na pesquisa do tratamento da síndrome. “Eles me contaram que não há cura para a síndrome, mas há um remédio que retarda o envelhecimento precoce”, conta o jovem.
Em 2020, a Food and Drug Administration, dos Estados Unidos, aprovou um tratamento oral que bloqueia o acúmulo de proteínas defeituosas no corpo e que causam a síndrome. Ele pode dar às crianças com essa condição genética rara mais tempo de vida.
O estudante conta que para ter acesso ao medicamento, o primeiro passo é enviar a coleta do material genético das meninas para análise da instituição nos Estados Unidos. Eles já receberam o material, mas estão dependendo da ajuda do governo estadual, que precisa seguir trâmites burocráticos, para enviar o conteúdo.
A esperança da família de Elis e Eloá é que a coleta seja enviada logo e que, depois das análises do grupo de pesquisa, elas consigam o medicamento que pode ser fornecido gratuitamente pela fundação norte-americana.
“Eu estou muito na expectativa de que esse dia chegue logo e que elas consigam esse remédio, que não tem no Brasil. Meu sonho é que elas vivam muitos anos com a ajuda da medicação. Eu sei que elas podem não ter muito tempo de vida, mas quero que vivam da melhor forma possível.”.
Enquanto isso, as gêmeas Elis e Eloá fazem sucesso nas redes sociais. O orgulho do desenvolvimento delas é tanto que o irmão criou uma página no Instagram para compartilhar fotos e vídeos e ajudar outras pessoas que passam pela mesma situação.
“Aqui não falta amor, uma brincadeira que elas fazem juntas, um olhar, um sorriso, tudo é motivo de alegria para a gente”, diz Guilherme.
O Bemdito com UOL