
Na última sexta-feira (25) a juíza Nicia Kirchkein Cardoso proferiu sentença sobre um caso que aconteceu na noite de 26 de novembro de 2018, por volta das 21h55, onde uma adolescente de 13 anos viveu momentos de terror enquanto caminhava pela Rua da Amizade, no bairro 14 de Novembro, em Cascavel. Segundo a denúncia do Ministério Público do Estado do Paraná, a jovem, que havia saído para buscar uma pizza, foi abordada por um homem que desceu de uma saveiro branca. Ele a segurou pelo braço, proferiu ameaças graves, como “se não entrar no carro, vou matar seu pai e sua mãe e dar um tiro na sua cabeça”, e fez comentários de cunho sexual, incluindo a frase “você vai ser minha janta hoje”. A vítima conseguiu escapar ao dar uma cotovelada no agressor e correr para casa, onde relatou o ocorrido à mãe, que acionou a polícia.
A denúncia apontava que o acusado, agindo com outra pessoa não identificada, tentou praticar atos libidinosos contra a vontade da adolescente, com o objetivo de satisfazer sua lascívia. O crime foi enquadrado no artigo 215-A do Código Penal, que define a importunação sexual, com pena de reclusão de 1 a 5 anos, combinado com o artigo 14, inciso II (tentativa), e artigo 29 (concurso de pessoas). A gravidade do caso era ainda maior por envolver uma menor de idade, o que trouxe à tona a Lei nº 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Um caminho de obstáculos
O caso chegou ao 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e Vara de Crimes Contra Crianças, Adolescentes e Idosos de Cascavel. Inicialmente, o acusado aceitou um acordo de transação penal, uma alternativa que poderia evitar o prosseguimento do processo criminal. No entanto, o acordo foi revogado devido ao seu não cumprimento, e a denúncia foi oficialmente recebida em 14 de abril de 2023.
Durante a instrução do processo, foram ouvidas a vítima, por meio de depoimento especial, sua mãe (como informante) e uma testemunha que relatou incidentes semelhantes no bairro. A vítima descreveu o agressor como um homem alto, branco, careca, com um corte na sobrancelha direita, e afirmou que ele agiu sozinho, sem que ela pudesse confirmar a presença de outra pessoa no veículo. Em um reconhecimento fotográfico na fase policial, a adolescente afirmou com certeza que o acusado não era o homem que a abordou, sugerindo que ele poderia ser o motorista, mas sem certeza. É possível considerar a hipótese de que a vítima, por medo ou possíveis ameaças, tenha optado por não reconhecer o acusado durante o processo, especialmente considerando o trauma relatado e a gravidade das intimidações sofridas. Contudo, essa possibilidade é apenas uma suposição, já que não há qualquer menção ou indício nos autos do processo que sugira coerção ou receio por parte da vítima em relação ao reconhecimento.
Em sede policial, a vítima declarou:
Eu tava descendo buscar a pizza, daí os caras da saveiro passaram por mim e começaram a mexer comigo. Eu segui minha trajetória e fui buscar a pizza. Na hora que eu voltei, virei na esquina de casa, eles pararam a saveiro na esquina. Aí, o cara esperou eu chegar na parte escura, ele saiu correndo e me pegou pelo braço e falou que: ‘se eu não fosse com ele, ia me dar um tiro na cabeça, ia matar meu pai e minha mãe’. Ele segurou meus braços e enfiou a mão dentro da pizza. Eu consegui dar uma cotovelada. Ele repetiu: ‘moça, se você não ir comigo eu vou te dar um tiro na cabeça’. Aí ,eu cheguei em casa, contei pra minha mãe e ela ligou pra polícia. […] Eles me chamavam de gatinha, pra eu ir com eles, que eles conheciam minha família. Eles começaram me chamar de gatinha, eu nem dei bola, porque eu ando com a cara muito fechada. Ele era branco, tinha o olho castanho, era careca e tinha um corte na sobrancelha. Careca sem cabelo. Corte na sobrancelha direita. Nunca vi ele. Eu não cheguei a ver o outro porque ele estava com o vidro fechado. O que mexeu era o passageiro. Ele era magro. Uns trinta anos, jovem. Era uma saveiro branca, quadrada. […] Ele disse que ia dar um tiro na minha cabeça e matar meu pai e minha mãe. Ele falou que ia jantar eu e a pizza.
A mãe da vítima relatou o estado de pânico da filha ao chegar em casa e confirmou que a adolescente foi abordada por um homem que desceu de uma saveiro branca. Ela mencionou que a jovem praticava capoeira, o que a ajudou a se defender. Já a testemunha, que não presenciou o caso diretamente, relatou um incidente semelhante envolvendo sua sobrinha, já falecida, e descreveu um suspeito com características parecidas, sugerindo que o bairro enfrentava uma onda de assédios.
A mãe da vítima relatou:
Nessa data ela tinha ido na quadra debaixo buscar uma pizza e chegou em casa apavorada. Eu falei: ‘calma filha, o que aconteceu?’. Aí ela: ‘mãe, o cara tentou me sequestrar’. Ela falou que quando ela saiu de casa na esquina, uma saveiro desceu e tinha dois homens dentro, e os caras foram mexendo com ela. Ela parou pegou a pizza e voltou. Quando ela subiu, ela viu que a saveiro passou por ela, mas ela veio normal na rua de casa. Daí o cara só chegou correndo por trás, segurou ela, tampou a boca dela e falou que ia levar ela, que era pra ela largar a pizza no chão que ele ia jantar ela. A vítima fazia capoeira na época, então ela tinha mais ou menos uma noção, ela conseguiu se soltar. E ele falou que ia matar ela, porque ele conhecia eu e o pai dela. Se ela falasse alguma coisa, ele ia matar. Ela nem olhou pra trás e saiu correndo. Aí quando ela falou, eu tenho um menino que é mais velho que ela, do jeito que ele tava saiu correndo, só que a saveiro já tava longe. Tinha um carro parado na esquina da igreja e ele foi lá e perguntou se tinha uma saveiro parada ali, o casal que estava lá, que a gente não conhece, falou pra ele que realmente uma saveiro parou na esquina, um homem desceu, voltou correndo e saiu cantando pneu. Ela não conseguiu ver certo o rosto do rapaz porque estava escuro, mas por um bom tempo ela ficou com medo de ir pra escola. São dois homens que estavam no carro, ela falou que quando ela desceu para ir buscar a pizza eles passaram mexendo com ela, só que eu sempre falei que quando homem mexe não se olha. Aí ela viu mexendo e deixou eles mexendo. E na hora que ela voltou que ele agarrou, ela tava de costas.
O acusado, por sua vez, negou os fatos em seu interrogatório policial, afirmando que estava em casa com a família na noite do ocorrido e que sua saveiro não estava envolvida. Ele foi declarado revel (ausente) na fase judicial, o que não impediu a continuidade do processo.
Absolvição por falta de provas
Em sua sentença, a juíza Nicia Kirchkein Cardoso absolveu o acusado com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, que prevê a absolvição quando não há provas suficientes para a condenação. A decisão foi fundamentada na ausência de elementos probatórios que confirmassem a participação do acusado no crime. A vítima, embora tenha fornecido detalhes consistentes sobre o ocorrido, não reconheceu o acusado como o agressor, e não havia outras provas materiais ou testemunhais que corroborassem a denúncia.
A juíza destacou a relevância da palavra da vítima em crimes sexuais, mas ponderou que, no caso, a falta de reconhecimento e a incerteza sobre a presença de outra pessoa no veículo geraram uma “dúvida razoável”. Ela também reforçou que a condenação criminal não pode se basear exclusivamente em elementos colhidos na fase policial, conforme o artigo 155 do Código de Processo Penal, que exige provas produzidas em juízo.
O princípio in dubio pro reo foi aplicado, garantindo que, na ausência de certeza sobre a autoria do crime, o acusado fosse favorecido. A sentença não negou a gravidade do ocorrido, mas concluiu que não havia base probatória suficiente para uma condenação.
CGN